Causa
Uma professora, 500 cães e um destino incerto
Presidente da ONG A4 enfrenta dificuldades para manter os animais abandonados que são deixados sob seus cuidados no Capão do Leão
Jerônimo Gonzalez -
A pequena chácara no interior de Capão do Leão tem espaço, é limpa e bem cuidada. Um local digno para abrigar cães de rua - inclusive de Pelotas e cidades vizinhas - que encontram ali um lar para fugir do abandono e maus-tratos. Mas já foi melhor e pouco a pouco vai se transformando em um problema na vida de Eliane Diniz. Apaixonada por animais a ponto de acolhê-los e alimentá-los há pelo menos 20 anos, a presidente da ONG Associação Amigos dos Animais Abandonados (A4) se vê diante de um dilema: com pouco apoio, cogita até encerrar atividades, já que não sabe como manter os cuidados aos bichos que tem em sua propriedade.
E não são poucos. É até difícil acreditar, mas aos 64 anos a professora de Ciência da Computação na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) dedica todo seu tempo fora das salas de aula a 500 cachorros. Mais da metade deles ela conhece a ponto de chamar pelo nome. Pituquinha, Bob e outros 300 já são hóspedes antigos, estão com a protetora há pelo menos um ano. Apesar de alguns carregarem cicatrizes dos tempos de desprezo e agressões, todos estes estão saudáveis, devidamente vacinados e desverminados. “Pode ver, estão bem gordinhos e brincando”, diz, orgulhosa.
No entanto, um acordo com a administração leonense fez com que Eliane abrigasse, em novembro do ano passado, outros 200 animais que estavam em uma área alugada pelo município. Sem estrutura para mantê-los e obrigada a dar um destino por ordem judicial, a prefeitura pediu a Eliane que cuidasse dos cães. Era uma emergência, não tinham para onde ir. Para isso, o Poder Público se comprometeu a instalar 50 canis pré-moldados, cuidar do recolhimento da sujeira (lixo e fezes) e custear todo o gasto com ração. Nem tudo saiu como planejado. Sem condições de dar conta da compostagem que fazia enquanto tinha 300 cachorros, Eliane vê agora uma montanha de fezes se acumular sem recolhimento e os canis até hoje continuam na promessa.
“A maioria dos animais chegou aqui doente, eles foram tratados e estão melhorando. O problema é que são muitos e banco quase tudo do meu bolso. Meu salário vai todo para as despesas da ONG e empréstimos que fiz para melhorar o sítio para eles”, conta Eliane, enquanto mostra as casinhas e os galpões que servem de abrigo. Do gasto total de R$ 40 mil por mês que tem com o acolhimento, pouco mais da metade - R$ 22 mil - ela recebe pelo contrato de prestação de serviço firmado com a prefeitura.
Para o secretário de Administração de Capão do Leão, a solução para os problemas com a limpeza e as moradias para os animais é uma questão de tempo. “Em 15 dias os dejetos passarão a ser recolhidos e levados a um terreno do município para compostagem. Já a construção dos canis está prevista para se iniciar nesta segunda (15). Creio que em 30 dias a situação será bem melhor”, projeta Igor Vianna.
Amor incondicional x vida pessoal
Quando resolveu dar abrigo e comida aos primeiros cães, ainda em 1996, Eliane não imaginava que chegaria às centenas de hoje em dia. Entretanto, dificilmente deixava algum sem cuidados. Especialmente cachorras grávidas ou com filhotes. Em 2004 mantinha uma casa alugada apenas para manter 27 animais de rua protegidos.
Mas foi em 2007 que a ONG A4 começou a sair do plano das ideias. Primeiro com a compra do sítio de meio hectare e depois, em 2009, com o registro. A partir daí, passou a receber mais animais e receber recursos através de parcerias com a prefeitura. Se transformou em uma espécie de canil extraoficial do município. Se por um lado os cães encontraram uma referência, por outro a família Diniz perdeu o espaço adquirido como ideia de um refúgio.
Marido de Eliane, Gilberto Diniz, 64, não esconde o descontentamento com a situação atual. Tanto que nem frequenta mais a casa de campo. “É um trabalho bom só para os outros. A prefeitura usa uma área particular, que compramos para nosso descanso, para resolver o problema deles dos cães de rua”, reclama.
Com idade e tempo de serviço para se aposentar, Gilberto pretende em breve deixar de dar aulas no curso de Meteorologia da UFPel e descansar em sua terra natal, a Paraíba. E quer Eliane junto. “Eu entendo e respeito a paixão dela pelos bichos. Só que já passou da hora do Poder Público entender que esse é o seu papel e ter um canil próprio.”
Contudo, a sugestão do professor não faz parte dos planos da prefeitura de Capão do Leão. “Não temos essa ideia no curto prazo. Queremos, sim, fortalecer essas parcerias e ajudar a ONG a enfrentar esse problema dos animais abandonados. Temos esse compromisso”, resume Vianna.
Enquanto tenta conciliar a A4 com a profissão e a família, Eliane não deixa de acreditar em uma saída que permita a manutenção de seu carinho pelos cães. Pede apoio do município e de parceiros para dar conta de manter os seis funcionários da ONG, construir os canis, pagar os oito sacos de 25 quilos de ração por dia, remédios, vacinas e manter o sítio nas melhores condições. “Tudo o que tinha está investido aqui. Não tenho mais dinheiro. Não aguentaria ver todos esses bichinhos longe, mas estou trabalhando com um prazo de dois meses para que as coisas melhorem. Estou cansada e se continuar tudo sobre mim, o futuro da ONG é incerto”, conclui.
Como ajudar
Você pode auxiliar a A4 doando ração e medicamentos veterinários. Para saber como, basta entrar em contato pelo telefone (53) 99930-7630, através do site www.a4amigos.com ou pelo www.facebook.com/a4amigos.
Se quiser colaborar com apoio financeiro, os depósitos podem ser feitos na conta da ONG na Caixa Econômica Federal, agência 3294, conta 139-5, operação 003.
A ONG e seus números
500 cachorros
200 quilos de ração/dia (6 toneladas/mês)
9 mil litros de água/dia
R$ 16,5 mil por mês com alimentação
Gasto médio mensal: R$ 40 mil
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